Ciência 360

Liderança e mundo acadêmico: uma crônica personalíssima

Reflexões sobre liderança: uma crônica

Dr. Marco Aurélio Borges Costa | Professor e Coordenador do mestrado em Segurança Pública | Universidade Vila Velha | 15/03/2023 23:22

Conheci pessoas que desde muito jovens desejavam ser líderes. Alguns foram bem sucedidos, outros nem tanto. Mas conheci pessoas que, por sua vez, se tornaram líderes por convocação da vida. Me encaixo no segundo grupo.

Já na adolescência a inconstância paterna me convocou a assumir algumas funções familiares que, embora sendo o filho mais velho, não seriam, exatamente, da minha alçada.

 

Na igreja em que cresci, não obstante fugisse de eleições ou cargos formais, não raro era nomeado para funções de liderança. Alguns anos depois, convocado ao serviço militar, esperava, discreto, cumprir meu período como disciplinado soldado. Minha expectativa não se cumpriu e recebi ordens de me candidatar a Cabo. Sendo aprovado, passei a exercer funções de comando e liderança. Tudo correu razoavelmente bem, mesmo quando precisei expulsar um soldado por manuseio inadequado do armamento durante a guarda noturna. Felizmente recebi todo o apoio (inclusive tático) do comandante para minha decisão.

 

Um pouco depois trabalhei como assessor em um dos projetos de uma organização não governamental que tinha por objetivo o planejamento estratégico de minha querida cidade – Cachoeiro de Itapemirim –coordenado à época pelo atual vice-governador. Diante de algumas baixas na equipe, acabei convocado a assumir a liderança do projeto. Entreguei o produto sem muitos percalços, com um ou outro eventual episódio de inexperiência em lidar com a vida política, razoáveis para a idade que então contava.

 

Nesse momento estou coordenador do Mestrado em Segurança Pública da Universidade Vila Velha. Dessas poucas experiências, elaborei algumas reflexões que me confortam nos momentos em que me questiono acerca de como me conduzir diante dessas convocações da vida. A primeira é que o líder precisa acreditar na direção para qual lidera o grupo. Um padre ateu não produz simpatia em seus liderados, assim como um cientista líder de um grupo de pesquisadores que duvida dos benefícios da pesquisa, da ciência, para a vida das pessoas; para sua própria vida e de seu grupo. A segunda é a necessidade de transparência. O grupo espera sinceridade do líder. Minhas experiências e leituras indicam que o líder tem muito mais apoio quando compartilha honestamente com o grupo as suas dificuldades individuais e as dificuldades pelas quais o grupo passa naquele momento. A sinceridade angaria apoio nos momentos difíceis. Esconder a verdade produz decepção e perda da legitimidade da liderança quando o castelo de cartas se desfaz.  Um terceiro ponto diz respeito ao conhecimento que o líder deve ter das atividades – e dificuldades – que os membros do grupo passam no cotidiano das suas vidas em relação às ações ligadas à existência do próprio grupo. Um técnico de futebol que já atuou como jogador sabe a tensão que é uma final de campeonato e vai entender e saber lidar com a ansiedade do atleta. Um professor doutor sabe o que é defender uma dissertação ou uma tese diante de uma banca e, por isso, possui as melhores condições para liderar jovens pesquisadores que irão passar por esse momento. Minha quarta observação é que um bom líder é um bom liderado. O líder precisa estar sempre pronto a ser liderado, seja no mesmo grupo onde é líder ou em outros grupos dos quais faça parte. Para liderar bem é fundamental saber ser liderado, conhecer a experiência de ser liderado e, assim, saber se colocar no lugar dos membros do grupo que lidera.

 

Observo, ainda, que um líder precisa ter a noção – um tanto zen – da impermanência da vida. Ciclos de liderança começam e terminam, como tudo na vida. O apego a funções de liderança compromete a legitimidade da própria liderança, produzindo conflitos, disputas e desarmonia. Essas reflexões são – certamente – temporárias e, creio que com o tempo, se enriquecerão com novas experiências que hão de vir. Mas, como última observação, que liderar é um movimento da vida. Não há que se subestimar nem que se superestimar. Há que se comprometer com o bem geral, sempre o objetivo supremo que deve orientar a conduta de quem está à frente da fila, mas também dos que vêm a seguir.

 

 

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