Ciência 360

Líderes humanizados estão em falta, mas futuro é promissor

Já não há mais espaço para o “velho líder” – aquele que nunca erra, não admite suas fraquezas e exige cada vez mais da equipe, sem nenhuma contrapartida.

Por Tonia Casarin* / / Época negócios

O conceito de liderança se modifica a cada dia e, sem dúvida, em tempos desafiadores como os de hoje, mais do que nunca, precisamos mudar o conceito de líder que tínhamos. Mas, afinal, qual o líder de sucesso? Em grande parte, já sabemos o que não fazer, mas como achar o caminho certo para atingir um modelo de gestão que atenda às necessidades de uma realidade tão complexa?

Embora não exista “fórmula mágica” para ser um bom líder, há aspectos que já se mostram indispensáveis para uma gestão eficaz, e um deles é a abordagem humanizada. Já não há mais espaço para o “velho líder” – aquele que nunca erra, não admite suas fraquezas e exige cada vez mais da equipe, sem nenhuma contrapartida. Esse tipo de gestão já não é mais aceita, pois, além de ser altamente rejeitado pelos colaboradores, traz prejuízo para a empresa em várias frentes.

Um bom indicador sobre a liderança do futuro é a 21ª edição da pesquisa Carreira dos Sonhos, organizada pelo Grupo Cia de Talentos, divulgada em 2022, e com mais de 117 mil participantes, que tem como objetivo de descobrir os desejos de jovens, média gestão e alta liderança para sua trajetória profissional.

Entre os dados levantados, 61% dos jovens pretendem mudar de emprego nos próximos meses. Os que ocupam cargos de média gestão e alta liderança também representam 54% e 42% respectivamente. Para as três categorias entrevistas, os aspectos do trabalho mais valorizados estão relacionados em como o trabalho afeta o bem-estar e qualidade de vida destes colaboradores e como as experiências são determinantes para apoiarem o crescimento e os fazem sentir parte da empresa.

Atualmente, o trabalho tem perturbado, de alguma maneira, o que as pessoas desejam para suas vidas e isso contribui para a sensação de sobrecarga e exaustão. Não é sobre a atividade em si, mas sobre a alta expectativa do mercado somada à autocobrança das pessoas. Isso é um reflexo claro de que estamos passando por um processo de “quiet quitting”, onde milhões de pessoas atuam no automático, com o propósito de serem demitidas para encontrarem o bem-estar.

A melhor maneira das organizações apoiarem o bem-estar das pessoas é construindo relações mais humanas e programas voltados para saúde física e mental. De acordo com a pesquisa listada, 36% dos jovens entrevistados querem programas voltados para bem-estar físico e mental / benefícios (academia, terapia etc.). Quando perfis de média gestão e alta liderança são questionados, o que prevalece é a construção de relações mais humanas, com mais confiança e autonomia.

E a conclusão da própria pesquisa diz que: “a liderança tradicional tinha como foco a estratégia do negócio, os resultados de desempenho e o lucro dos acionistas. Agora precisa adicionar novas camadas à sua atuação que vai além de garantir lucro e perenidade do negócio, é preciso também garantir que a organização apoie a resolução de problemas sociais, que tenha uma marca empregadora forte, que seja ágil, referência no desenvolvimento de pessoas e que suas decisões (ou falta delas) não gerem cancelamento da organização”.

Continuando o raciocínio nesse sentido, a liderança do futuro deve ser humana, e colocar o ser humano no centro não é mais alternativa e, sim, a única forma de se ter uma jornada de sucesso à frente de uma equipe. Isso porque hoje, em uma realidade em constante transformação, já não é mais possível inspirar uma equipe sem uma liderança de fato comprometida com o bem-estar de cada um, não por obrigação, mas como consequência do viés humanizado nas relações.

No livro, de minha autoria, “Liderança Exponencial – a transformação humana é o motor dos líderes do futuro”, lançado em outubro, são destacadas oito tendências que são os pilares de sustentação da atitude desse novo líder:

Colocar o ser humano no centro

Isso quer dizer que a liderança enxerga e trata sua equipe de fato como pessoas, e não apenas como peças de uma engrenagem que precisa se manter operando a qualquer custo, mesmo que isso comprometa a saúde física e mental dos colaboradores. Quando vê seu time como pessoas, com diferentes bagagens e prioridades, a liderança passa a ter compaixão e a compreender que, por trás daquele profissional, há uma mãe, um pai ou um integrante de um grupo sub representado no ambiente corporativo. Ou seja, um ser humano que lida com muitas outras questões cotidianas, pressões, e passa por vivências que vão além do trabalho. Ser capaz de enxergar que há um ser humano “por trás de cada crachá” é primordial.

Investir em autodesenvolvimento

Para que o ser humano seja o protagonista, a liderança deve investir em autoconhecimento. Uma das melhores formas é olhar para o círculo do “eu, do nós, e do mundo” – olhar para dentro de si sem deixar de enxergar as pessoas à sua volta. A partir daí, constrói-se a atitude do líder intencional, que influencia positivamente todas as relações. As necessidades da equipe nas dimensões pessoal e profissional são compreendidas, o desenvolvimento de novos profissionais é incentivado, eliminam-se processos discriminatórios e criam-se mecanismos para melhorar políticas de remuneração e flexibilização. Isso faz com que o ambiente de trabalho torne-se progressivamente mais diverso e representativo.

Desenvolver uma cultura humana na empresa

A partir dessa “virada de chave” por parte da liderança, que passa a ter um olhar mais humanizado, cria-se a base para uma cultura organizacional mais humana, que cria e perpetua um ambiente mais positivo para alcançar resultados, no qual a cooperação entre todos é uma das características predominantes – em vez da pressão descomunal e da competição exacerbada, que prejudica a saúde física e mental dos colaboradores. Essa nova cultura passa a se disseminar internamente, estendendo-se a vários níveis de hierarquia e criando um círculo virtuoso.

Acreditar em um propósito

Somos todos movidos por propósitos, seja na nossa vida privada, nos relacionamentos ou no trabalho. É muito importante, para qualquer pessoa, ter objetivos e sentir que contribui para seu entorno e para a sociedade como um todo. Hoje, cada vez mais os profissionais, seja de qual área forem, buscam mais do que altos cargos e benefícios. O que muitos aspiram é colaborar com empresas cujos valores estejam alinhados ao que defendem, dessa forma buscando ser parte de um propósito maior e sentindo que estão desenvolvendo um trabalho no qual acreditam, e contribuindo com projetos e visões de mundo com os quais de fato compactuam.

No caso do líder, ter propósitos claros é ainda mais indispensável, considerando que ele direciona e inspira não somente a si mesmo, como também toda a sua equipe, causando amplo impacto nas carreiras e nas experiências de cada um do time. Uma equipe sem um líder intencional, que esteja consciente das suas escolhas e dos rumos que toma, é como um navio desgovernado, e o naufrágio é questão de tempo.

Preocupar-se com o impacto no mundo

Líderes precisam ter ampla consciência do impacto de suas atitudes, não só na própria vida, mas também na daqueles com os quais se relacionam. A partir disso, é possível transformar esse conhecimento em um pilar fundamental para a tomada de decisões. Quando isso acontece, profissionais e negócios podem não só alcançar resultados mais relevantes, mas também decidir de que forma querem atingi-los, criando uma jornada que será positiva para todos e também para o mundo.

Focar o bem-estar de todo o grupo

Não há como ser um bom líder sem ter visão macro e pensar no benefício (ou malefício) coletivo que cada decisão ou ação irá acarretar. A liderança, portanto, é menos sobre “fazer” algo e mais sobre “ser” de determinada forma. Ou seja, o líder deve assumir certa postura para conduzir com sucesso um time em uma jornada, a serviço de um objetivo coletivo maior. Sempre costumo dizer que as pessoas não se lembram de nós pelo que fizemos por nós mesmos, mas, sim, pelo que nós fizemos por elas. Para um líder, isso tem um peso e uma importância ainda maiores.

Conviver em harmonia com a tecnologia

As tecnologias são criadas para facilitar nosso dia a dia profissional e pessoal, mas, se não forem bem utilizadas, podem se tornar uma grande armadilha. Isso porque, com cada vez mais recursos tecnológicos a nosso dispor, somos constantemente cobrados para fazer mais em menos tempo: produzir, vender, criar e gerar resultado o tempo todo, o que nem sempre é de fato possível. Por isso, o líder do futuro é aquele que busca sempre o equilíbrio entre a tecnologia e o capital humano. É muito bom poder recorrer a tantas ferramentas como as atuais, mas é preciso ter sempre em mente que, quanto mais tecnologia tivermos ao nosso alcance, mais humanos precisamos ser. A melhor tecnologia que temos à disposição ainda é a humana.

Liderar equipes diversas

É notório que empresas de todos os portes e segmentos estão se movimentando para tornar seus ambientes mais inclusivos e diversos. Mas de nada adianta lançar ações, campanhas, iniciativas, se a cabeça do líder continuar a mesma. A mudança de mentalidade deve vir de cima, ou seja, das lideranças. Um ambiente diverso é aquele em que todos têm espaço para se expressar, dar ideias e serem quem são, sentindo-se de fato representadas e respeitadas. Assim, todos os colaboradores sentem que têm voz ativa e que são acolhidos pela organização. O líder deve estar preparado para lidar com essas equipes diversas, garantindo que todos sejam ouvidos, sem nenhum teor discriminatório ou política que privilegie um certo perfil.

Não tenho dúvida de que o líder humano veio para ficar, e que veremos essa tendência se consolidar ao longo da próxima década. A liderança humana é a chave para que as empresas alcancem o sucesso que desejam, deixando de lado as velhas crenças corporativas e adotando uma postura disruptiva, ousada e de inovação, dentro de um novo contexto de sociedade e de valores transformados.

*Tonia Casarin é mestre em Liderança com foco no desenvolvimento de Competências Socioemocionais pela Universidade de Columbia (NY), é pesquisadora, palestrante e autora de best-sellers. Atualmente, mora no Vale do Silício e trabalha com consultoria e desenvolvimento de lideranças.

Notícia oficial extraída de: https://epocanegocios.globo.com/colunas/coluna/2023/03/lideres-humanizados-estao-em-falta-mas-futuro-e-promissor.ghtml

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